Intimidade e Privacidade no ambiente de trabalho – monitoramento e segurança caminham juntos – breves notas sobre a LGPD 

O direito à intimidade e à privacidade são essenciais à preservação da dignidade humana do indivíduo, inclusive no ambiente de trabalho.

Há, entre os juristas, quem defenda que a intimidade é uma espécie do gênero privacidade. Fato é que, também no direito trabalhista, o cuidado com a preservação de ambos também deve existir, especialmente quando o assunto é monitoramento, ato adotado, amplo e crescentemente, pelos empregadores, para segurança, viabilidade e produtividade de seus negócios.  

Desse modo, nas relações de trabalho, a intimidade e a privacidade do empregado só podem ser superadas quando houver interesse maior que o justifique porque, caso contrário, mesmo que haja expresso consentimento por parte do empregado, estes direitos, se violados, podem ser objeto de reparação.   

Versa neste sentido a própria Constituição Federal de 1988, que prevê que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação (art. 5º, X, da CR/88).   

Trata-se de direitos fundamentais e indisponíveis, ou seja, são direitos dos quais o titular não pode prescindir, cumprindo ao Estado consagrá-los e protegê-los, ainda que o trabalhador não o faça, individualmente.  

 

Como os empregadores devem agir para haver segurança, sem invasão da intimidade e privacidade dos empregados, clientes e parceiros?   

Não há lei específica acerca do monitoramento, habitualmente realizado pelos empregadores, seja sob a forma de filmagens, gravações, geolocalização (GPS), escutas telefônicas, supervisão de trocas de mensagens registradas em canais internos de comunicação, ferramentas de gestão, e-mails corporativos ou outros sistemas, disponibilizados e utilizados pelas empresas.  

Também não existe norma legal com previsão, locais e/ou limites para a instalação de câmeras de segurança nas corporações.   

Tais fatos, entretanto, não afastam a necessidade de cautela.   

Atos, embora aparentemente simples, podem trazer maior confiabilidade ao sistema adotado pelo empregador, sem afetar a intimidade daqueles que estão, por exemplo, sob a visão e gravação feita por meio das câmeras de vídeo.   

E, diante desta realidade afeta ao monitoramento, sob suas diversas formas, recomendamos, desde já e sempre, a formulação de uma política interna bem estruturada, com ampla e prévia análise jurídica, para que todos os cuidados sejam adotados, com viés preventivo.   

Em caso de sua existência, é importante haver revisão constante, para melhor adaptação aos entendimentos jurisprudenciais e doutrinários mais avançados.   

É importante que todos os empregados estejam cientes da existência do monitoramento e regras acerca da utilização dos sistemas para haver redução do risco de alegação de ofensa a princípios protegidos por nosso ordenamento jurídico, com destaque para os já mencionados direitos à intimidade e privacidade, e também em atenção ao princípio da boa-fé, inerente à relação contratual, e ao princípio da dignidade humana, cada vez mais avaliado e protegido também pelos diversos tribunais trabalhistas, entre outros.   

É valioso, ainda, cuidar para haver o efetivo armazenamento desta divulgação e da forma como foi realizada, medida considerada essencial para o sucesso em eventual demanda administrativa ou judicial, porque podem constituir prova de zelo, cautela e boa-fé do empregador, o que reduz e pode eliminar as chances de uma condenação pecuniária elevada.  

 

Entendimentos dos tribunais trabalhistas acerca das principais ferramentas de monitoramento   

Atualmente, relativamente às câmeras, a Justiça do Trabalho admite, em regra, a sua utilização em locais de uso coletivo.   

Observamos, ainda, que a defesa do empregador é fortalecida quando este cuida para que as câmeras nunca sejam dirigidas diretamente a um empregado ou grupo de empregados, especificamente, evitando a eventual alegação de violação a intimidade e/ou à privacidade, à ocorrência de assédio moral, individual ou coletivo (estrutural).   

É interessante pontuar que a instalação das câmeras, com atenção a esta cautela, pode constituir elemento positivo em caso de investigação de sua ocorrência ou para coibir atos que caracterizem o assédio moral, entre outros atos que devem ser combatidos pelo empregador para a manutenção de um meio ambiente do trabalho saudável e tranquilo.   

É recomendável evitar a instalação e manutenção de câmeras nos refeitórios e salas de descanso, por serem considerados espaços de convívio, onde o conforto e bem-estar precisam ser mantidos, contribuindo para evitar que o empregado alegue não ter efetiva liberdade nos intervalos destinados a este fim.   

E, em acréscimo, entendemos ser repreensível — e por que não dizer — proibida a instalação de câmeras nos vestiários e banheiros caso o empregador não objetive enfrentar debates frente aos órgãos administrativos e judiciais do trabalho.   

Isto porque há um vasto número de condenações já impostas a empregadoras de diversos segmentos, por fazerem a instalação de câmeras de vigilância nos banheiros e/ou vestiários, o que, no entendimento dos julgadores trabalhistas, configura um comportamento típico de assédio moral.   

O Tribunal Superior do Trabalho publicou, em 14/04/2023, decisão que reformou o acórdão originado do Tribunal Regional da 2ª. Região e que, por sua vez, mantinha entendimento manifesto pelo juiz da 2ª Vara do Trabalho de Mauá, no Estado de São Paulo.    

O juiz e o tribunal regional manifestaram entendimento no sentido de que o empregador poderia utilizar os equipamentos em citados locais, para fiscalizar as atividades dos empregados, o que estaria incluído em seu poder diretivo.   

Entretanto, no entendimento do Tribunal Superior (TST), houve excesso no tocante aos limites do citado poder diretivo do empregador ao permitir o uso de câmeras nos vestiários e banheiros face à nítida intenção de controle das idas e tempo de uso das citadas instalações por ferir o direito do trabalhador a satisfazer, de forma livre e saudável, suas necessidades fisiológicas, com submissão a vexame, ainda que limitado ao ambiente de trabalho.    

O TST, por entender ser um comportamento típico de assédio moral, determinou o pagamento de uma indenização, e citou inúmeros julgados, também deste tribunal, com fundamentação semelhante e com a condenação pecuniária, face ao entendimento de que, em suma, a instalação de câmeras de vigilância em banheiros e/ou instalações sanitárias e/ou vestiários, fere o princípio da dignidade humana e representa uma conduta abusiva, que causa angústia, mal-estar, privação, entre outros efeitos caracterizadores do assédio moral, hábeis a ensejar a condenação do empregador à reparação pelo dano. (processo TST – RR 1000028-23.2018.5.02.0362).   

Relativamente ao monitoramento e rastreamento dos e-mails corporativos, prevalece o entendimento de que são atos legítimos e lícitos, por ostentarem a natureza de proteção e segurança de uma ferramenta de trabalho, concedida pelo empregador, para uso profissional, afastando-se, assim, alegações de violação ao artigo 5º, incisos X e XII, da Constituição Federal.   

Reforçamos, aqui, de todo modo, a possibilidade de adoção de medidas de caráter preventivo. É muito importante que a empresa estabeleça e mantenha atualizadas políticas internas específicas e abrangentes, que ampliem o conhecimento do empregado acerca do monitoramento e discipline o uso da ferramenta que lhe é disponibilizada em razão do contrato firmado, para poder, assim, evitar discussões a este respeito, o que pode onerar a empresa.  

O mesmo se aplica relativamente aos celulares corporativos, sistemas internos, meios de transporte com geolocalização, e quaisquer outras ferramentas também disponibilizadas pelo empregador.  

 

Como a LGPD trata a intimidade e a privacidade?   

É importante ressaltarmos que a Constituição da República prestigia o princípio da livre iniciativa (art. 170, parágrafo único), com ressalva para os limites previstos na ordem jurídica, para manutenção do indispensável equilíbrio entre os cidadãos.   

Pode-se afirmar que a Lei Geral de Proteção de Dados (Lei Federal n. 13.709/2018) surgiu para reforçar esta proteção, também no intuito de equilibrar e efetivar os mecanismos de proteção do titular, incluindo o empregado, na relação contratual empregatícia.   

Há, no artigo 6º da referida lei a relação dos princípios que devem nortear esta proteção, destacando-se, sem a pretensão de esgotá-los, aqui, a atenção aos princípios da boa-fé, finalidade, necessidade e a transparência.  

Com o cuidado de estabelecermos, aqui, um nexo entre citados princípios com a intimidade e a privacidade, de forma sintética, podemos afirmar que:   

– O princípio da boa-fé, exigido em todos os contratos, nas relações de consumo, na legislação processual e em áreas jurídicas, também encontrou, na LGPD um lugar de destaque para a busca e permanência da coerência nas informações, além da cooperação para o atingimento dos objetivos da lei, para proteção e equilíbrio dos envolvidos.    

Referidos equilíbrio e proteção, evidentemente, abarcam a preservação da intimidade e da privacidade.    

– O princípio da finalidade estabelece que os dados pessoais devem ser tratados com propósitos legítimos, específicos, informados ao titular, reforçando a recomendação de ampla divulgação e formulação de política que assegure a existência de prova documental acerca desta divulgação para evitar alegação de inobservância aos mencionados direitos.   

– No tocante à necessidade, conforme a lei, recomenda-se que, mesmo, na prática do monitoramento, o empregador cuide para haver a coleta dos dados mínimos necessários para atendimento da finalidade deste tratamento, reduzindo o risco de se ferir a intimidade e/ou a privacidade do(a) empregado(a);   

– E, por fim, a transparência, que objetiva garantir que a coleta feita pelo controlador tenha informações claras, precisas e facilmente acessíveis no tocante ao tratamento que se objetiva realizar.   

A informação ampla, expressa e prévia reforça a cautela e assegura a proteção também da empresa, no tocante ao atendimento das regras previstas na LGPD.  

 

O que absorver da LGPD a respeito da instalação de câmeras e uso de outras ferramentas de monitoramento, nas empresas?  

Embora o monitoramento, feito pelo empregador, conforme diretrizes jurídicas adequadas, ou seja, que não ofendam a intimidade e a privacidade do empregado, seja considerado legítimo, para verificação constante da atividade e desempenho do profissional, a LGPD trouxe mais um fundamento para este monitoramento: o resguardo das informações confidenciais da empresa.   

Além de princípios, gerais e específicos, a LGPD estabeleceu hipóteses que autorizam o tratamento de dados pessoais e suas condições, além de prever quais são considerados sensíveis e quais são aqueles que exigem, ou não, o consentimento.   

No caso do monitoramento, promovido pelo empregador, para efeito de apuração da produtividade do empregado, como parte da obrigação deste com relação à contraprestação da empresa, é possível afastar a necessidade de consentimento, com a justificativa de que se trata de um exercício regular de um direito, com a possibilidade de uso do resultado do monitoramento em ações judiciais ou administrativas, para assegurar os direitos do empregador. É possível invocar, ainda, a existência de legítimo interesse do controlador, no caso, o empregador (art. 7º, IX, da LGPD).  

Contudo, vale repetir: é recomendável existir a ampla divulgação da existência do monitoramento, com base em política interna da empresa, para ser também atendida a exigência de preservação dos direitos à intimidade e privacidade.  

 

Conclusão   

O monitoramento do empregado, no ambiente de trabalho, relativamente ao uso de ferramentas fornecidas pela empresa, o que inclui o uso de câmeras, o monitoramento do e-mail eletrônico corporativo, entre outros, é considerado legítimo, porque estão inseridos no poder diretivo e no direito do empregador, relativamente ao exercício da sua propriedade, quanto aos meios de produção que disponibiliza para o trabalho.   

A exceção se dá quando há violação a intimidade e privacidade.   

Reforçamos, assim, o estabelecimento de políticas internas próprias, específicas e constantemente atualizadas, constituindo um meio essencial para a prevenção de litígios, individuais ou coletivos e para tanto, é ideal contar com uma assessoria jurídica constante, atualizada e específica, o que contribuirá para o sucesso do negócio e o fortalecimento dos objetivos da empresa.  

Para entender melhor o assunto, entre em contato com nossos especialistas.

 


Paulo Teodoro – Advogados Associados