Decisões do STF e o Impacto na Contribuição Sindical no Brasil

Não há dúvidas de que a história das entidades sindicais, no Brasil, é um capítulo fundamental na trajetória do movimento que envolve as relações de trabalho. Estas entidades, cuja natureza é eminentemente associativa, existem para representar, não apenas os interesses coletivos dos trabalhadores, mas também os dos empregadores.

O surgimento e a evolução destas instituições são aliadas às transformações sociais e econômicas que, no Brasil, em meados do século XIX, foram estimuladas pelas mudanças na industrialização e também pelo crescimento das cidades. Foi nessa época que os operários, muitos deles imigrantes, começaram a perceber a necessidade de se unirem para reivindicar melhores condições de trabalho.

Assim, sem a pretensão de esgotarmos, aqui, os conceitos básicos que norteiam o direito sindical propriamente dito, será oportuno nos debruçarmos sobre as formas e destino do custeio sindical, o que contribuirá para a melhor compreensão dos possíveis efeitos da recente decisão do Supremo Tribunal Federal, que, antes, expressou entendimento de que a “contribuição assistencial” era inconstitucional e, recentemente, declarou a constitucionalidade desta mesma contribuição.

Quais as principais atividades exercidas pelas entidades sindicais a justificar o custeio das mesmas, por meio de contribuições diversas, previstas em lei?

Podemos afirmar, em síntese, que as entidades sindicais têm a função de negociar, representar, assistir e arrecadar.

A título de exemplo, a Constituição Federal de 1988 prestigia a função negocial das entidades sindicais no art. 7º, XXVI, ao reconhecer os acordos e convenções coletivas e, no art. 8º, VI, ao expressar a obrigatoriedade da participação dos sindicatos nas negociações coletivas.

A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) também prestigia esta função de negociação, sendo exemplos os arts. 611, que dispõe, no caput, sobre as convenções coletivas de trabalho, e no §1º, sobre o acordo coletivo, além do art. 616, que dispõe que os sindicatos representativos das categorias econômicas ou profissionais, e as empresas, inclusive aquelas que não têm representação sindicato, quando provocados, não podem recusar-se à negociação coletiva, o seja, têm a obrigação de negociar.

E, para negociar, as entidades sindicais exercem, evidentemente, o dever de representação, defendendo os interesses coletivos ou individuais da categoria, em questões individuais e questões coletivas.

A função assistencial é vislumbrada, especialmente, no art. 514, alíneas “b” e “d”, da CLT, e também nos estatutos das entidades sindicais, ao criarem benefícios voltados aos interesses dos associados.

Além do exposto, há ainda a função de arrecadar, essencial para o cumprimento das demais tarefas, a qual é objeto de destaque nesse trabalho, voltado para as formas de custeio das entidades sindicais, com o foco dado à “contribuição assistencial”, objeto de recente julgamento, pelo STF!

 

E quais são as contribuições previstas em lei, atualmente?

Para a prática das atividades acima relacionadas, as entidades sindicais possuem as chamadas “receitas ordinárias”, compostas pela “contribuição sindical”, “contribuição assistencial”, “contribuição confederativa” e “contribuição associativa”.

E, além das “receitas ordinárias”, há previsão legal para a composição de “receitas extraordinárias”, compostas por bens e valores adquiridos, além de rendas produzidas pelas próprias entidades, bem como por doações e legados, além de multas e outras rendas eventuais, tudo nos termos das alíneas “c”, “d” e “e” do art. 548, da CLT.

Rifas e sorteios, por exemplo, podem ser receitas das entidades sindicais.

A “contribuição sindical” ou “imposto sindical” foi extinta(o)? Não!

Como é de conhecimento amplo, houve, durante longo período, em nosso ordenamento jurídico, a obrigatoriedade de recolhimento de um “imposto sindical”, nome utilizado até o advento do Decreto-lei n. 27/1966, que alterou esta nomenclatura, passando a chamá-lo de “contribuição sindical”, devida pelas empresas e pelos empregados que a elas se vinculavam pelo regime da CLT.

Esta contribuição foi criada na época do Estado Novo, instituída pela Constituição de 1937, sendo regulamentada pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) de 1943. Era obrigatória para os empregados sindicalizados e também para os que não eram sindicalizados.

A “contribuição sindical” foi a principal receita das entidades sindicais e não foi extinta pelo texto da Reforma Trabalhista de 2017.

Esta lei apenas tornou estas contribuições facultativas, ou seja, as “contribuições sindicais” deixaram de ser compulsórias. A CLT estabeleceu, no art. 582, com redação dada pela Lei Federal n. 13.467/2017, que: “os empregadores são obrigados a descontar da folha de pagamento de seus empregados relativa ao mês de março de cada ano a contribuição sindical dos empregados que autorizaram prévia e expressamente o seu recolhimento aos respectivos sindicatos.” Destacamos esta parte final do artigo por entendermos tratar-se de um trecho essencial, porque prevê a necessidade de autorização prévia e expressa, apresentada pelos empregados, às empresas empregadoras, para que haja o efetivo recolhimento da citada contribuição, anualmente, ao sindicato que os representa.

O valor e a forma de recolhimento também são previstos no texto da CLT.

Os empregadores também podem optar pelo recolhimento da “contribuição sindical” (art. 587) e deverão fazê-lo no mês de janeiro de cada ano, ou, para os que venham a se estabelecer após o referido mês, efetivarão o recolhimento, caso queiram, na ocasião em que requererem às repartições o registro ou a licença para o exercício da respectiva atividade. O pagamento da contribuição patronal é proporcional ao capital social da empresa, em alíquotas que variam de 0,02 a 0,8% (art. 580, III, da CLT).

A “contribuição sindical” arrecadada é repartida entre confederação, federação, central sindical, sindicato e também tem um percentual destinado a uma “conta especial emprego e salário”, o que se dá mediante instruções expedidas pelo Ministério do Trabalho, tudo conforme regras e proporções expressas pelo art. 589, da CLT.

Uma das entidades que recebem recursos da “conta especial emprego e salário” é o Fundo de Amparo do Trabalhador (FAT), responsável pelo custeio dos programas de seguro-desemprego, abono salarial, financiamento de ações para o desenvolvimento econômico e para geração de trabalho, emprego e renda.

A “contribuição sindical”, além das despesas vinculadas a sua arrecadação, recolhimento e controle, será aplicada pelos sindicatos, na conformidade de seus estatutos, que as utilizará para objetivos diversos, entre os quais: assistência técnica e jurídica, assistência médica, odontológica, hospitalar e farmacêutica, realização de estudos econômicos e financeiros, entre outros, definidos a critério de cada entidade e atendidas as peculiaridades do respectivo grupo ou categoria.

Ainda segundo o texto legal, o recolhimento da “contribuição sindical” feito fora do prazo previsto em lei, quando espontâneo, será acrescido de multa de 10% (dez por cento), nos últimos 30 (trinta) dias, com o adicional de 2% (dois por cento) por mês subsequente de atraso, além de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês e correção monetária, o que reforça o cuidado e atenção quanto às normas e aplicabilidade destas às rotinas da empresa e no trato com o empregado quanto a este aspecto.

E quais os principais efeitos da alteração legislativa que tornou a “contribuição sindical” facultativa?

Não se tem dúvida de que, historicamente, a maior e mais importante fonte de custeio das entidades sindicais é a “contribuição sindical”.

Quando se tornou facultativa, as entidades sindicais perceberam a necessidade de modificar sua forma de atuação, para demonstrar efetiva representatividade, para sua permanência no sistema, o que nem sempre se visualiza facilmente, de modo que os trabalhadores não se sentiram inclinados a contribuir, voluntariamente, seja porque não foram suficientemente motivados, seja porque não se sentiram efetivamente representados.

A consequência, segundo argumentos apontados pelas próprias entidades, foi o enfraquecimento dos direitos sociais face à redução da capacidade de financiamento das atividades os entes sindicais.

Inúmeras ações foram ajuizadas, em busca de declaração de inconstitucionalidade da parte da Lei da Reforma Trabalhista, que tornou as citadas “contribuições sindicais” facultativas. Mas, estas ações não tiveram êxito.

O STF manteve o entendimento de que não há inconstitucionalidade em citado comando. Um dos argumentos manifestos pela Suprema Corte é no sentido de que a obrigatoriedade, outrora estipulada, de fato contrariava o princípio da liberdade sindical e a liberdade individual.

E, com relação à contribuição assistencial, o que mudou diante da recente decisão do STF?

A “contribuição assistencial” ou “desconto assistencial” é uma das “receitas ordinárias”, que encontra disciplina em lei, mais especificamente no art. 513, “e”, da CLT.

Este dispositivo da lei trabalhista autoriza aos sindicatos “impor contribuições a todos os que participam das categorias econômicas ou profissionais, ou das profissões liberais representadas”.

A “contribuição assistencial” pode ser prevista em sentença normativa, laudo arbitral, convenção coletiva de trabalho ou acordo coletivo de trabalho e objetiva custear as atividades assistenciais do sindicato da categoria profissional, possibilitando sua participação nas negociações, para sugerir novas ou melhores condições de trabalho para a categoria.

Por esta razão, é devida, em regra, por empregados da mesma categoria profissional.

É comum encontrar, nas normas coletivas que criam esta “contribuição assistencial”, a obrigatoriedade de desconto em folha, caso não haja oposição por parte do empregado, ou seja, ela é fixada independentemente de efetiva associação ou filiação, mas pelo simples fato do empregado pertencer a determinada categoria profissional.

Este foi um dos fundamentos levados à apreciação o Supremo Tribunal Federal, que declarou, em Plenário, por meio de sessão virtual realizada entre os dias 1/09 e 11/09/2023, com divulgação efetivada em 18/09/2023, a constitucionalidade da instituição de “contribuições assistenciais”, por meio de acordo ou convenção coletiva, a serem impostas a todos os empregados da categoria, ainda que não sindicalizados, desde que assegurado o direito de oposição.

O entendimento do STF teve repercussão geral, com fixação no Tema 935: “É constitucional a instituição, por acordo ou convenção coletivos, de contribuições assistenciais a serem impostas a todos os empregados da categoria, ainda que não sindicalizados, desde que assegurado o direito de oposição.”

Contudo, muitos questionamentos já surgiram em razão deste julgado. Destacamos:

Reflexões sobre o Tema 935:  direito de autorização prévia e expressa X direito de oposição

É interessante destacarmos que o art. 545, da CLT, prevê que os empregadores ficam obrigados a descontar da folha de pagamento dos seus empregados, desde que por eles devidamente autorizados, as contribuições devidas ao sindicato, quando por estes notificados.

No tocante à “contribuição sindical”, que foi, na verdade, mantida pela lei trabalhista, diferentemente de muitos entendimentos e publicações que a consideraram extinta, a lei também estabeleceu a necessidade de autorização individual, expressa e prévia do empregado que desejar direcionar valores ao sindicato (v. arts. 578, 582 e 602, da CLT).

E mais, o art. 611 – B, da CLT, considera objeto ilícito de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, a supressão ou redução do direito de liberdade de associação profissional ou sindical do trabalhador, inclusive o direito de não sofrer, sem sua expressa e prévia anuência, qualquer cobrança ou desconto salarial estabelecidos em convenção ou acordo coletivo, ou seja, também aqui, há menção clara à necessidade de uma autorização, prévia e expressa.

Entretanto, no tocante à “contribuição assistencial”, o desconto só não existirá se o empregado se opuser, sendo essencial deixarmos clara esta distinção, já que durante anos, adotou-se outro costume em razão da outra contribuição – a “sindical”.

Então, como pode ser exercido este direito de oposição? Podem as entidades sindicais estabelecer critérios diversos, uma vez que a lei nada estipula a este respeito? Sim, podem e realmente, as entidades têm sido bastante criativas quanto a este ponto.

Os empregadores podem ficar em situação difícil também pelo fato de que um mesmo empregado pode exercer atividades diversas, “enquadrando-se”, a princípio, também em categorias diversas, ou, ainda, podem deixar de exercer o direito de oposição, nos moldes, forma e prazos estabelecidos por alguma das normas coletivas e ter que discutir, efetivamente, a efetiva legitimidade do enquadramento sindical.

E, em situações como estas, o empregador deve, ainda assim, efetivar o desconto?

E se existirem outros descontos sobre o salário do empregado, e estes ultrapassarem o percentual máximo previsto em lei?

Estes e outros questionamentos demandarão reflexão e atuação zelosa, tanto por parte dos empregados como por parte dos empregadores, até que haja efetiva clareza e segurança jurídica, uma vez que o entendimento adotado pela Suprema Corte, embora tenha o objetivo de manter a liberdade individual e a liberdade sindical, deixa aberta a forma de exigência a ser formulada pelas entidades sindicais que, como observamos, têm interesse na busca de meios de arrecadação, em razão da inexistência de obrigatoriedade de recolhimento da “contribuição sindical” e da redução no interesse dos trabalhadores, em efetivar o recolhimento de forma espontânea, facultativa.

Recomendamos, assim, a busca de uma assessoria jurídica especializada, que se aprofunde acerca do tema, não limitado a questões legais ou a este julgado, especificamente, mas que demandará análise de inúmeras outras fontes do direito, para alcance de solução adequada, caso a caso.


Paulo Teodoro – Advogados Associados